Rir pode reforçar o sistema imunológico, reduzir a pressão arterial e até ajudar no combate ao câncer
"Pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: amor no coração e sorriso nos lábios." Martin Luther King.
É uma noite quente na populosa Mumbai, agitada e caótica cidade da Índia. Em uma praça, cerca de 300 pessoas se reúnem. Como dita a cultura local, homens de um lado e mulheres de outro. Eles vestindo camisas e calças. Elas trajando seus coloridos saris. Guiados por uma espécie de guru, Madan Kataria, começam a levantar os braços. Em movimentos de alongamento, descem o corpo, sobem e, de repente, HAHAHAHA. Todos caem em uma longa e divertida gargalhada. Rindo sem parar, olham uns para os outros, sacodem-se, giram e emitem sons. Gargalham com todo o corpo, por minutos a fio. Quem passa pelo local não se contém e, com olhos de curiosidade, abre um largo sorriso. Ao término da risada coletiva, cada um retorna à sua casa. Acabou mais uma sessão de terapia do riso.
Os sorridentes da praça de Mumbai são os adeptos do Hasya Yoga (Hasya, em sânscrito, significa gargalhar), uma técnica criada em 1995 pelo médico indiano Madan Kataria para promover risadas em grupo e, assim, melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Ainda que pareça excêntrica, a divertida terapia indiana tem não só um, mas diversos embasamentos científicos. Há tempo se sabe que rir promove o bem-estar porque, quando gargalhamos, liberamos hormônios que dão prazer, como as endorfinas. Mas as descobertas recentes apontam que os benefícios de uma boa risada vão muito além. Rir pode reforçar o sistema imunológico, diminuir os hormônios do estresse, reduzir a pressão arterial e até ajudar a combater o câncer:
"Talvez a melhor resposta positiva do riso seja justamente a sua ação sobre os agentes anti-inflamatórios e imunológicos, que são a base de todas as doenças principais hoje, como infarto, derrame e câncer", explica o cardiologista do Complexo Hospitalar da Santa Casa e autor de livros sobre saúde, Fernando Lucchese.
Segundo um estudo realizado na Universidade Técnica do Texas, sob coordenação da pesquisadora Judith Kupersmith, o bom humor é um bloqueador natural de substâncias que interferem negativamente no nosso organismo. Esta investigação faz parte de um novo ramo da ciência, conhecido como neuropsicoimunologia, que estuda a interação entre o sistema nervoso, o imunológico e o endócrino. Utilizando métodos bastante sofisticados, como a neuroimagem, as pesquisas apontam resultados surpreendentes, como a descoberta de que gargalhar provoca um aumento na atividade de células chamadas de "natural killers", que atuam na defesa do corpo contra vírus, bactérias e até tumores.
Rir até com medo
Ainda que seja uma das expressões mais corriqueiras do ser humano, o riso há séculos desperta a curiosidade de cientistas. Um dos pontos que mais intrigaram pesquisadores ao longo dos últimos anos foi compreender de que região do cérebro vem a vontade de rir. Conforme o neurologista Victor Martinez, do Hospital São Lucas da PUCRS, já se sabe que não há um "centro do riso" no cérebro, mas várias regiões que participam desse comportamento. A estrutura que coordenaria o ato físico de rir é composta por regiões do tronco encefálico, uma das mais antigas do sistema nervoso. Na carona desta descoberta, os especialistas chegaram a uma conclusão interessante: rir também é uma estratégia evolutiva, que garante ao ser humano ter mais chances de sobreviver e propagar seus genes.
"O riso tem, entre outras, a função de facilitar as interações sociais, diminuindo o estresse e facilitando o contato entre os indivíduos. Assim, pode-se rir quando se está com medo, por exemplo, para tentar reduzir a própria tensão e a agressividade do "outro", que é uma ameaça", explica Martinez.
Esta é uma estratégia tão antiga que já faz parte dos nossos genes. Ou seja, já nascemos sabendo rir. Estudos feitos com crianças cegas e surdas mostraram que, desde o nascimento, elas já riem. Inclusive fetos, no final da gestação, são capazes de sorrir.
"Isso não quer dizer que não haja um componente cultural importante sobre quando rir, em que situações é ou não é apropriado sorrir. Aprendemos na vida familiar e social quando controlar esse comportamento, do que rir etc.", comenta Martinez.
Sorriso-espelho
A cena é comum: alguém começa a rir e, de repente, sem nem saber quando, onde ou sobre o que se trata aquela risada, você começa a gargalhar junto. O que induz esse comportamento ainda é um grande ponto de interrogação para a ciência. As últimas descobertas indicam um caminho. Os responsáveis seriam "neurônios espelho", que entram em ação quando vemos alguém executando alguma atividade. Seu funcionamento ainda não é totalmente explicado, mas já se sabe que, quando prestamos atenção em alguém realizando uma ação — por exemplo, pegando um copo — nossa região motora, que entraria em ação se executássemos a mesma atividade, é ativada.
"Ainda há muita especulação sobre essa teoria, mas acredita-se que os "neurônios espelho" são importantes para a empatia, para o "eu sinto o que você sente", fundamental para a vida em família e em sociedade", resume Martinez.
Cada um com seu jeito
Cachorros abanam o rabo, ratos emitem sons quase imperceptíveis ao ouvido humano, macacos mostram os dentes. Sim, os animais também riem. Pelo menos é o que indica uma série de estudos.
"Todos os animais manifestam satisfação de alguma forma. É uma forma de rir", comenta o cardiologista Fernando Lucchese.
Ainda que esse comportamento possa ser observado mais claramente nos macacos, que riem de forma semelhante aos homens, o riso pode ter evoluído até mesmo antes dos primatas aparecerem em cena. No caso dos ratos de laboratório, pesquisas indicaram que eles procuram ficar mais próximos de mãos que os coçaram do que de mãos que simplesmente os acariciaram. Quando coçados, emitem sons de alta frequência que lembram um riso, comenta o neurologista Victor Martinez: "Cada espécie animal tem sua peculiaridade na hora de rir."
Clube da gargalhada para rir de si mesmo
As sessões de terapia do riso de Madan Kataria rapidamente conquistaram o mundo. A prática tem mais de 6 mil Clubes da Gargalhada por cerca de 60 países. Por aqui, a primeira e única "escola" foi fundada em Belo Horizonte há uma década por Mari Tereza Nascimento Vieira, graduada em Letras, e pela dentista Ursula Luise Kirchner.
"Nessa terapia, a gente não ri do outro, não usamos piadas, porque a verdade é que temos de rir de nós mesmos", diz Mari.
Se tudo isso ainda não bastar para você começar a sorrir agora mesmo, eis uma razão a mais: a região cerebral que registra quando algo bom ocorre, acionada automaticamente quando vemos uma pessoa bonita, fica ainda mais ativa quando ela sorri. Gargalhar é, portanto, o tratamento de beleza mais barato, rápido e eficaz já inventado.
Fonte: ZH VIDA
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